As gerações anos 90 e de agora talvez não conheçam ou nunca tenham ouvido falar do Falcon, um boneco que fez o maior sucesso nos anos 80. Era para meninos, e tinha cabelo e barba de verdade! Coisa rara em bonecos masculinos. Se fosse personagem de algum filme, não ficaria devendo para os valentões como Chuck Norris ou Arnold Schwarzenegger. E por ter a aparência que imitava direitinho um homem de verdade, era comum muita gente parecer-se com ele.
Carlos era um homem vaidoso, estava sempre atento ao visual, que mudava com frequência. Naquele ano, optou pela barba, que mantinha bem aparada, tal como os cabelos. Era empregado público de um banco do Estado, no começo dos anos 80. O banco costumava qualificar seus funcionários com vários cursos e, na seção de Carlos, ele foi o escolhido para fazer um dos cursos. Ficou uns dias fora e, quando voltou, as coisas não eram mais as mesmas na repartição. Fuinha tomou o lugar de Carlos, era o novo chefe. O colega que ele ensinou todo o serviço, que era quieto e sem boca pra nada, agora, com a nova função, estava completamente mudado. A postura de ombros caídos tinha desaparecido e o nariz estava empinado demais. É comum essa troca de cargos em órgãos do governo, quando este muda. Fuinha era amigo de um dos dirigentes do partido do novo governo e foi lembrado na distribuição de cargos.
- E aí, Falcon. Sou teu novo chefe agora, disse Fuinha, com as pernas cruzadas por cima da mesa.
- Que bom, parabéns! Mas do que tu me chamaste, mesmo?, falou Carlos, já nervoso.
- Eu te chamei de Falcon!, insistiu o, então, debochado Fuinha.
- Olha, cara. Eu não gosto de apelidos, e se tu me chamares de novo de Falcon, eu vou te bater tanto, que tu vai te arrepender de ter nascido!
- Tu não farias isso, serias demitido...
- Experimenta pra ver, então, me chame de Falcon pra ti ver o que te acontece.
- Chamo, sim: F A L C O N!!!
Carlos não pensou duas vezes, partiu para cima de Fuinha e descontou toda a raiva sentida pelo cargo perdido e pelo novo apelido. Os colegas apartaram e Carlos foi chamado, às pressas, à diretoria. José Paulo, o diretor da seção, era gente boa, compreensivo, conhecia bem o trabalho dos dois.
- Meu filho, tu sempre foste um ótimo funcionário. O que houve?
- Ele me chamou de Falcon!
- Como?
Carlos teve que explicar o que era o Falcon. José Paulo estava quase se aposentando, era de uma geração diferente e o boneco era totalmente desconhecido para ele. João Paulo compreendeu a reação de Carlos, achou que ele estava estressado e o aconselhou a tirar férias, para esfriar a cabeça. Na volta, trocaria de setor. Não trabalharia mais com Fuinha.
Quinze dias depois, a cabeça esfriou e Carlos voltou ao trabalho. Foi informado que a permuta não era possível, pois não encontraram quem quisesse trabalhar com o Fuinha. Até encontrarem alguém que quisesse trocar de setor, Carlos teria que aguentar o colega debochado. As coisas estavam indo bem, não tinha tido nenhum problema, até ouvir Fuinha reclamar de uma planilha de cálculos:
- Essa planilha está uma porcaria, uma droga mal feita, isso só pode ser coisa do Falcon!
Carlos, que já não tinha uma grande afeição por Fuinha, levantou-se e, indignado, perguntou:
- O que tu ta dizendo?
- Eu disse que este gráfico ta uma porcaria, Falcon!
- Tu me chamaste de quê?
- Eu te chamei de Falcon. F – A – L – C – O – N!
Fuinha apanhou novamente. Talvez fosse um desejo secreto dele, levar uma surra em pleno ambiente de trabalho. Seria ele masoquista em querer provocar tanto?
Carlos foi chamado novamente à diretoria, mas desta vez, não teve jeito. Estava demitido. Foi no Sindicato e exigiu todos os seus direitos. O pessoal do Sindicato também não estava entendendo o que aconteceu, Carlos era querido por todos:
- Mas o que foi isso, companheiro?
- Ele me chamou de Falcon...
Hoje, mais maduro e experiente, Falcon, digo, Carlos, está mais tranquilo. Passou em outro concurso, ganha bem e tem estabilidade. Ele pensa duas vezes antes de reagir a uma provocação, mas não engole sapos. Estes não lhe caem bem, causam indigestão. A última notícia que teve de Fuinha foi há uns vinte anos. Ele foi demitido do banco dois anos após o acontecido, não sabe ao certo por quê. Se encontrasse com ele hoje, agradeceria à provocação, pois se ele não o tivesse chamado de Falcon, talvez Carlos ainda estivesse trabalhando no banco, ganhando bem menos que agora. Há males que vêm pra bem. Neste meio tempo, Carlos conviveu com pessoas de diversas personalidades, algumas como o Fuinha, e soube tirar de letra as provocações. O segredo é não se abalar com coisas pequenas, não vale à pena.
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