Por Fernando Vives.
Quando o futebol teve início, imagina-se que os jogadores se comportavam em campo mais ou menos como as crianças bem pequenas de hoje em dia que resolvem jogar futebol na quadra da creche: todo mundo correndo atrás da bola e seja o que Deus quiser. Aos poucos, as posições em campo foram sendo definidas, primeiramente com os defensores e os atacantes e, posteriormente, com o meio-campo, depois defensores centrais, atacantes das pontas, meias ofensivos e defensivos, etc.
O fato é que, quando o presidente da Fifa, Jules Rimet, enfim conseguiu criar a primeira edição da Copa do Mundo, no Uruguai em 1930, apenas um grande esquema tático estava definido: o chamado WM, que persiste até os dias de hoje. Inventado no fim dos anos 20 pelo então técnico do Arsenal, Herbert Chapman, o sistema que acabara de sair do forno antes do Mundial do Uruguai consistia em: três zagueiros, sendo dois laterais marcando os pontas adversários e um central; dois médios volantes que marcavam e saíam para o jogo de vez em quando; dois meias ofensivos; três atacantes, sendo dois pontas, o da direita e o da esquerda, e um centroavante. Tinha este nome porque, visto de cima no campo, os jogadores enfileirados pareciam formar as duas letras. E o WM persiste até os dias de hoje razoavelmente parecido com o original, com algumas mudanças (por exemplo: é raro o time que ainda utiliza pontas).
Nas Copas do Mundo, alguns esquemas táticos também marcaram época. Primeiro, a invenção do ferrolho (cadeado) pelos suíços no Mundial do Brasil, em 1950. A poderosa seleção brasileira, que vinha goleando todo mundo, foi trancada pela Suíça do técnico austríaco Karl Rappan no empate em 2 a 2, no Pacaembu, na única partida que a seleção fez em São Paulo naquela Copa.
Um mundial depois, os húngaros de 1954 impressionaram com o ofensivo esquema 4-2-4, mas não ficaram com o título. Doze anos depois, na Inglaterra, os ingleses, que ergueriam a taça da Copa que sediaram, inventaram as duas linhas de quatro jogadores na defesa e no meio-campo, com dois atacantes. Era o chamado 4-4-2, também ainda muito utilizado.
Mas a grande inovação da história do futebol surgiu na Alemanha, em 1974. Praticamente todos os queixos caíram ao ver em campo aquela seleção da Holanda praticar um esquema estranhíssimo e que, com aqueles atletas, dava completamente certo: o chamado Carrossel Holandês, onde os jogadores se alternam pelos lados do campo. A maioria deles não tinha posição fixa. Foi um choque. A Holanda de 1974 perdeu a Copa na final, mas deu grande contribuição para as mudanças que culminaram no futebol moderno.
Leia abaixo e saiba mais sobre cada um dos esquemas táticos que fizeram histórias nas Copas do Mundo:
Suíça, 1950
Entre as seleções que vieram ao Brasil para disputar o Mundial de futebol de 1950, ninguém poderia imaginar que a Suíça estaria entre as relevantes. O Brasil era o favorito, o Uruguai já era campeão do mundo, Espanha e Iugoslávia colocavam medo, mas a Suíça... ninguém imaginava que os suíços poderiam ir longe naquela copa. E - pegadinha - não foram mesmo, caíram na primeira fase. No entanto, inventaram um sistema de jogo que passou a ser usado demais por equipes pequenas e, posteriormente, também por grandes: a famosa retranca. Daí sua relevância.
Hoje em dia, é normal uma equipe modesta que, quando sabe que vai enfrentar um time mais forte, se fecha lá atrás. Pois é, antes da Suíça de 1950, isso não era praxe. A seleção europeia caiu no Grupo 1 daquele Mundial, o mesmo que tinha como favorito o ofensivíssimo Brasil, além da forte Iugoslávia e do México. Estrearam com uma derrota feia, 3 a 0 para os talentosos iugoslavos, mas o placar só veio no segundo tempo, quando a seleção da Suíça demonstrou muito mais cansaço que os adversários.
Na segunda partida, contra o Brasil, o técnico Karl Rappan (que era austríaco), temendo o pior, botou toda a rapaziada lá atrás: eram quatro zagueiros, quatro meias defensivos, um meia-armador e um atacante. Foi neste jogo que pela primeira vez o ferrolho era usado em uma Copa. A Suíça arrancou um empate por 2 a 2 contra o desorganizado Brasil que, por jogar em São Paulo, entrou em campo com um time composto por maioria de jogadores que atuavam no futebol paulista. Os suíços encerraram a participação naquela Copa com, enfim, uma vitória sobre o México por 2 a 1.
O ferrolho se propagou pelo mundo e deu origem ao chamado Catenaccio (que significa ferrolho, ou cadeado, em italiano), o sistema defensivo que acabou marcando o futebol da Itália. A atual Internazionale de Milão, do técnico português Jose Mourinho, eliminou o Barcelona da Liga dos Campeões na semana passada usando estratégia similar a essa.
Hungria, 1954
A seleção húngara do início dos anos 50 talvez tenha sido a primeira em que o mundo parou para ver jogar. Medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1952, em Helsinque, os húngaros comandados em campo pelos craques Sandor Kocsis, Nandor Hideguti, Zoltan Czibor e Ferenc Puskas conseguiram uma invencibilidade de 27 partidas (23 vitórias e quatro empates) entre 1952 e 1954 - incluindo aí uma acachapante goleada sobre a Inglaterra por 6 a 3 em Wembley.
Mas, além de seus craques, o grande mentor do futebol do país era o técnico Guztáv Sebes, que era também o Ministro de Esportes da Hungria durante aqueles anos de regime comunista. Sebes implementou melhorias físicas e táticas no futebol. Primeiro, ele foi o precursor do aquecimento dos jogadores antes de entrar em campo, nos vestiários, durante a Copa de 1954 - antes disso, os atletas iam para a partida sem se aquecer. Isso explica o fato de, neste Mundial, os húngaros terem iniciado todas as suas cinco partidas vencendo por 2 a 0 nos dez minutos iniciais de jogo, quando o time adversário ainda estava "frio".
No lado técnico, ele não inventou, mas desenvolveu o 4-2-4 ofensivo que a Hungria utilizou naquela Copa. Os húngaros estrearam no Mundial da Suíça de 1954 goleando os perdidos da Coreia do Sul por 9 a 0. Na segunda partida, contra o mistão da Alemanha Ocidental, 8 a 3. Nas quartas de final, num dos mais tumultuados jogos das Copas do Mundo, os húngaros venceram o Brasil por 4 a 2, com direito a briga no fim. Na semifinal, uma pedreira contra o então campeão do mundo, o Uruguai: empate por 2 a 2 no tempo normal e, na prorrogação, Kocsis garantiu o gol que fez da Hungria finalista.
A final da Copa parecia ser só uma formalidade para a entrega da taça ao escrete da Hungria - afinal, já haviam vencido os alemães por 8 a 3, mesmo que os rivais estivessem com vários jogadores reservas. Após sair vencendo a partida por 2 a 0, a Alemanha virou no finalzinho da partida e provou a segunda grande surpresa das Copas do Mundo, depois do Maracanazo do Uruguai quatro anos antes.
A grande facilidade do 4-2-4 àquela época era causada pelos fracos sistemas defensivos - a Copa da Suíça teve a maior média de gols de todas as Copas: 5,38 por partida. Os zagueiros não davam carrinhos e a marcação era feita a distância. Logo, ter vários atacantes junto da defesa adversária era muito útil. Com a evolução do jogo defensivo no futebol ao longo dos anos, o 4-2-4 ao estilo húngaro foi praticamente extinto.
Inglaterra, 1966
Ex-zagueiro de renome na Inglaterra, o técnico Alf Rampsey, do English Team, tinha a missão de fazer de tudo para conquistar o título mundial para os ingleses na edição em que sediavam o evento. E ele patentetou um novo esquema que faz sucesso até hoje: o famoso e tradicional 4-4-2 com ponta recuado.
O esquema consistia em colocar dois zagueiros centrais e dois laterais que, como era habitual à época, dificilmente atacavam. Na frente, outra linha de quatro jogadores, os meio-campistas que, dependendo da partida, poderiam ter um viés mais defensivo ou ofensivo. Entre estes quatros, havia um ponta que jogava mais atrás - em outros esquemas era comum termos o centroavante circundado pelos pontas direita e esquerda, lá na frente no ataque.
Comandada pelo ótimo meia Bobby Charlton, a Inglaterra de 1966 começou a campanha do título empatando em 0 a 0 contra o Uruguai. Depois, duas vitórias, contra México e França, ambas por 2 a 0. Nas quartas de final, despacharam a Argentina por 1 a 0, em jogo polêmico. Na semi, derrotaram Portugal, que era sensação do Mundial, por 2 a 1 e, na finalíssima, outra partida polêmica, em que os ingleses venceram por 4 a 2 na prorrogação - no terceiro gol, a bola não entrou. Os ingleses eram, enfim, campeões mundiais.
O legado do 4-4-2 é enorme. Até hoje ele é amplamente utilizado. Com o tempo, sobretudo a partir dos anos 80, a figura do ponta praticamente deixou de existir. Os dois atacantes normalmente têm características diferentes, com um mais de área, para finalização, e outro que sai mais para buscar a bola. Quando uma equipe joga com dois atacantes de maior presença na grande área, os laterais é que costumam ser grandes apoiadores.
Holanda 1974
Quando aqueles 11 loiros vestindo laranja pisaram os gramados alemães contra o Uruguai, estreando na Copa de 1974, o queixo do mundo caiu e só foi se erguer novamente no fim do Mundial. A seleção da Holanda era qualquer coisa de alucinógena.
O estupor que o futebol holandês causou na Alemanha ocorreu graças a junção de um técnico e um grupo de jogadores inteligentíssimos. Rinus Michels era o homem que treinava o Ajax desde 1965, e tinha uma teoria de que o futebol precisava de mais versatilidade e dinamismo. Em campo ele contava com uma constelação de craques vindos do Ajax e do Feyenoord, que haviam conquistado os últimos títulos europeus. Liderados pelo craque Johan Cruyff, que fumava dois maços de cigarro por dia, estavam, entre outros, Ruud Krol, Johan Neeskens e Rob Rensenbrink.
Michels assumiu a seleção da Holanda três meses antes daquela Copa e, vendo os talentos que tinha em mãos, tratou de colocar em prática o esquema que viria a ser chamado de "Carrossel Holandês". Nele, os jogadores não tinham posição fixa. Quando um tocava a bola, dois outros o circundavam posicionando-se para recebê-la de volta. Tal atitude tornou dificílima a tarefa de marcá-los.
Mas talvez a grande mudança significativa para o futebol moderno tenha sido o sistema de marcação. Até a Copa de 1974, quando um time estava com a posse de bola, o outro recuava e esperava o adversário chegar. A Holanda fez diferente: quando o rival saía jogando, os jogadores de camisa laranja partiam em bloco para cima deles, no campo do adversário, para tomar-lhe a bola. O resultado era a asfixia na saída de bola e um festival de chutes a gol pelos holandeses. Hoje a marcação adiantada no campo adversário é comum. Naquela época, era absolutamente inédito. Veja no vídeo acima, como os uruguaios tinham dificuldade para sair jogando e, com isso, eram massacrados pelos holandeses.
A vitória por 2 a 0 contra o Uruguai foi a estreia da Holanda no Mundial da Alemanha. Depois da primeira partida, veio um tropeço contra a Suécia, 0 a 0. E aí o show arrancou: 4 a 1 na Bulgária, 4 a 0 na Argentina, 2 a 0 na Alemanha Oriental e 2 a 0 no Brasil. Na final, contra os anfitriões alemães ocidentais, o inimaginável: derrota por 2 a 1. A Laranja Mecânica, como foi chamada, revolucionava o futebol, mas não ficava com o título.
Dinamarca 1986
Ninguém sabia o que esperar daquela seleção composta por onze loiros aguados que desembarcavam no ápice do calor mexicano para a disputa da Copa do Mundo. E, quando entrou em campo para a estreia contra o Uruguai, veio logo o cartão de apresentação: um uniforme absolutamente peculiar em branco e vermelho, com setas nos ombros que desciam até o calção e listras verticais bem fininhas somente em um lado da camisa.
O uniforme era surpreendente tanto quanto o futebol dinamarquês, que ganhou o apelido de "Dinamáquina". A equipe do técnico alemão Sepp Piontek jogava no 3-5-2, que não era exatamente uma novidade. A grande inovação é que, naquele time, este esquema era bastante ofensivo, usando a versatilidade do meia Jesper Olsen e a criatividade do jovem Michael Laudrup para fazer gols. Os laterais eram, na verdade, alas, que mantinham uma posição mais central no campo e que atacavam bastante. Com cinco homens na parte central do campo, era mais fácil congestionar a saída de bola adversária e provocar contra-ataques - a maioria dos gols da equipe escandinava na Copa de 1986 foi feita desta maneira.
Os resultados da Dinamáquina na primeira fase foram impressionantes: 6 a 1 no Uruguai, 1 a 0 na Escócia e, por último, a surpresa maior: 2 a 0 na favorita Alemanha Ocidental. Comparações com a Holanda de 1974 percorreram o mundo.
Os dinamarqueses passaram para as oitavas de final como favoritas contra a modesta Espanha. Os nórdicos saíram na frente e jogavam melhor, mas, por essas coisas que só o futebol proporciona e ninguém explica, tomaram 5 a 1. Mas o esquema 3-5-2 usado ofensivamente ganharia o planeta nos anos seguintes, sendo usado até hoje, quase 25 anos depois da Dinamáquina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário